Análises

Amacro: a nova (velha) fronteira do desmatamento na Amazônia

Apesar de toda a fartura de terras disponíveis para fazer da divisa Amacro a potência do agronegócio, mais e mais hectares de floresta são derrubados e queimados a cada nascer do sol

Fabio Pontes ·
12 de outubro de 2021 · 2 anos atrás

A realização de duas grandes operações da Polícia Federal, na semana que passou, expôs o grave problema do aumento descontrolado do desmatamento e das queimadas num complexo e delicado ponto da região amazônica: a tríplice divisa entre Acre, Amazonas e Rondônia. Ao mesmo tempo que sofre com as consequências do roubo de terras públicas, a região entre os três estados é cobiçada por políticos locais para se tornar uma zona de desenvolvimento do agronegócio no Norte do país, replicando o modelo do Matopiba: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. 

Para isso, o encontro geográfico entre os três estados amazônicos já tem até uma nomenclatura: Amacro, que é a união das siglas de Amazonas, Acre e Rondônia. Todavia, antes de se tornar uma potência do agronegócio, a tríplice divisa vem sendo preparada para receber o boi e a soja por meio do desmatamento, da invasão de terras públicas – incluindo unidades de conservação e terras indígenas –, das queimadas e da extração de madeiras para alimentar um segmento quase que todo ele operando na ilegalidade. 

Essa é a verdadeira realidade da nova fronteira do desenvolvimento amazônico proposta pelas lideranças políticas locais, tendo os governadores do Acre, Gladson Cameli (PP), e de Rondônia, coronel Marcos Rocha (PSL), como principais entusiastas. A dupla, por sinal, sofre de alergia quando o assunto é política de proteção para a Amazônia. Na visão deles, floresta boa é floresta no chão. Só o boi e a soja proporcionam o desenvolvimento econômico, segundo a concepção deles.   

As divisas entre Acre, Amazonas e Rondônia atualmente já possuem terras abertas o suficiente para a criação de gado ou o cultivo de grãos. É verdade que uma parte está com o solo degradado, improdutivo. Porém, basta um pouco de políticas públicas para se investir em tecnologia, que é possível recuperá-las, ampliando a produção agrícola sem a necessidade de novos desmates. Ao invés disso, o mais barato é fazer mais desmatamento. A impunidade está garantida.  

Ao se percorrer a BR-364, entre Rio Branco e Porto Velho, o único cenário encontrado são de grandes fazendas, cujas extensões os olhos não alcançam o fim. Quando não encontramos pasto, há os vilarejos às margens da estrada com serrarias de pátios abarrotados de toras. Saber de onde elas saem de uma área já tão devastada é a questão.

Área prevista para a futura Amacro, de acordo com informações da Secretaria de Produção e Agronegócio do Acre e da Federação da Agricultura e Pecuária do estado de Rondônia. Arte: Júlia Lima

 Apesar de toda a fartura de terras disponíveis para fazer da divisa Amacro a potência do agronegócio, mais e mais hectares de floresta são derrubados e queimados a cada nascer do sol – neste nosso tórrido e seco “verão amazônico”. 

E não se trata de abertura de áreas feitas por grupos de movimentos sem-terra para ocupar um lote. É gente grande, já dona de verdadeiros latifúndios querendo ampliar suas posses. Foi o que revelou a operação Tayssu, realizada pela Polícia Federal na última quinta-feira (7), que descobriu a existência de uma organização criminosa formada por empresários e um ex-parlamentar do Acre, dono de grandes fazendas, para grilar terras da União no município amazonense de Boca do Acre. 

O município do sul do Amazonas já é conhecido pelos intensos conflitos fundiários que, num passado nem tão distante, já resultaram em mortes, tentativas de homicídio e ameaças a quem ousa denunciar a indústria da invasão. E grande parte dessa invasão é feita por fazendeiros cujas propriedades começam no Acre, e cruzam a linha Cunha Gomes, que é o traçado imaginário que separa o estado do Amazonas. Os dois estados estão interligados pela BR-317, cujas margens já viraram pasto já faz muitas décadas. 

E essa também não é a primeira grande operação policial feita para combater a grilagem na tríplice divisa. A PF pediu o bloqueio de quase R$ 30 milhões dos investigados. Este é o valor dos danos ambientais causados pela derrubada de 1.600 hectares de floresta que viraram fazendas, cuja posse legal foi “esquentada” graças à participação de servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no esquema.  

Dois dias antes, a operação Mundo Novo, também da Polícia Federal, desarticulou outra quadrilha de grileiros, cuja atuação era se apropriar de terras públicas para, depois, revendê-las. Uma prática bastante comum na região. De acordo com as investigações, ao menos R$ 3 milhões foram “investidos” para levar ao chão 1.900 hectares de Floresta Amazônica.  

A região de mata devastada fica no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Antimary, no município de Sena Madureira (AC). O complexo de florestas do Antimary abarca os dois lados da linha Cunha Gomes; tanto do lado do Acre quanto do Amazonas. Ele é bastante impactado pela grilagem e roubo de madeira por causa da fartura de espécies de alto valor comercial. Nem mesmo a existência de duas unidades de conservação – a Floresta Estadual do Antimary, no Acre, e a Reserva Extrativista Arapixi, no Amazonas – protegem a área da ação dos desmatadores.

Desmatamento flagrado pela PF na operação Tayssu. Foto: Assessoria PF/AC.

Toda a fragilidade e completa ausência de políticas de proteção ambiental pelos governos locais na tríplice divisa estão refletidas nos monitoramentos de desmatamento e queimadas. Conforme o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, o Imazon, dos dez municípios da Amazônia Legal que mais desmataram em agosto, metade está na Amacro: Lábrea (AM), Boca do Acre (AM), Porto Velho (RO), Sena Madureira (AC) e Feijó (AC).  

Neste último, há o projeto da abertura de uma estrada para interligá-lo ao vizinho amazonense Envira. Ano passado, o governador do Acre, Gladson Cameli, chegou a comemorar o início da abertura da rodovia, postando fotos em suas redes sociais mostrando máquinas rasgando a floresta. Sem licença ambiental, a obra foi embargada. 

Ao se olhar os dados sobre o registro de fogo ao longo de 2021 na Amazônia Legal, as capitais do Acre, Rio Branco, e de Rondônia, Porto Velho, estão entre os 20 municípios com as maiores quantidades de queimadas. Porto Velho só perde para a vizinha Lábrea no número de focos de calor. Como se sabe, o fogo é usado aqui na região tanto para fazer a limpeza de roçados e pastagens, quanto para consolidar as áreas de floresta recentemente derrubadas. 

Juntos, Acre, Amazonas e Rondônia responderam por metade dos 1.606 quilômetros quadrados de Floresta Amazônica desmatada em agosto, segundo detectou o Imazon. Toda essa mata derrubada literalmente vira fumaça enquanto é queimada. E dessa forma, a mais nova fronteira do agronegócio, consolida-se na região Norte impulsionada por um ambiente político bastante favorável à prática de crimes que ficarão impunes. E logo mais, daqui uns anos, toda essa floresta devastada de forma criminosa, será apresentada como o novo celeiro agrícola do Brasil.   

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.



  • Fabio Pontes

    Fabio Pontes é jornalista com atuação na Amazônia, especializado nas coberturas das questões que envolvem o bioma desde 2010.

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Comentários 1

  1. TIAGO ALEXANDRE BATISTA diz:

    Muito interessante a reportagem, nessa região da AMACRO esta faltando o estado de mato grosso, onde o noroeste do estado composto por Colniza e Aripuanã em especial os distritos de Guatá, Guariba em Colniza, e Conselvan em Aripuanã é ocupado basicamente por rondonienses vindos através de Machadinho do Oeste e Espigão do Oeste.

    Cabe observar que boa parte dos rondonienses inicialmente vieram do estado do Espirito Santo, com uma cultura voltada para produção de frutas e café. Contudo devido o tipo do solo amazônico ser muito pobre, eles abrem as áreas para cultivo de café connilon em roças de toco, quando o café perde produtividade a área é convertida em pastagem, sendo o café um grande impulsionador para abertura de novas áreas.

    O maior entrave na fiscalização destas áreas é que muitas vezes se tratam de áreas publicas não destinadas (terras devolutas) e essa informação não é publica, mesmo para os órgãos de fiscalização.

    As áreas publicas não destinadas precisam de proteção publica assim como qualquer unidade de conservação, ja que são áreas indivisíveis e da união, não passiveis de parcelamento.
    Esse tipo de ocupação carece de equipe de fiscalização especializada. pois é um perfil de ocupação totalmente diferente das áreas já destinadas.