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Promessas ambientais de Dilma Rousseff

Em discurso de posse, nova presidente diz que considera “missão sagrada” crescer a economia sem destruir o meio ambiente. Será possível?

3 de janeiro de 2011 · 13 anos atrás
  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

A presidente no dia da posse. (foto Agência Brasil)
A presidente no dia da posse. (foto Agência Brasil)

As reações ao discurso de posse da ‘presidenta’ Dilma Rousseff são interessantes. Dos comentaristas, blogueiros na internet e das conversas de botequim, ouve-se mais análises da sua ‘falta de carisma’, de sua fria desenvoltura com as palavras escritas pelos assessores do que sobre o estofo de seu plano de governo.

Não que discursos sejam as peças mais indicadas para saber detalhes de como funcionarão as engrenagens da máquina pública e todos os interesses que lhes servem para azeitar ou emperrar. Mas ao menos são um retrato das prioridades. Não surpreende, portanto, que Dilma tenhadedicado grande parte de seus 12 minutos sobre o parlatório em falar da geração de emprego e erradicação da miséria (fora os intermináveis agradecimentos a Lula).

Entretanto ,houve ali, em exatamente 72 palavras (contadas no discurso oficial distribuído à imprensa), uma promessa de responsabilidade ambiental. Não se lançou mão do coringa ‘desenvolvimento sustentável’, que ainda hoje não contenta parte da academia, mas se falou que, por aqui, é possível implementar um “projeto inédito de um país desenvolvido com forte componente ambiental.”

Essa frase isolada não é muito diferente do que Lula disse há 4 anos quando tomou posse de seu segundo mandato – na ocasião, garantiu que seu governo tinha respeito pelo ‘meio ambiente’. Mas olhando todo o discurso é possível afirmar que, pela primeira vez, um presidente brasileiro foi um pouco ( e só um pouco) além das generalidades na questão ambiental. Por isso, o assunto, na boca de Dilma, ganhou ares de promessa.

Dilma Rousseff foi a coordenadora do programa que literalmente acelerou a destruição ambiental no país, o PAC.

Como toda promessa veio embalada com certa dramaticidade. Disse a presidente:

“Queridos brasileiros e queridas brasileiras, considero uma missão sagrada do Brasil a de mostrar ao mundo que é possível um país crescer aceleradamente, sem destruir o meio ambiente. ”

É um compromisso e tanto, principalmente se levado em conta o fato que foi Dilma a coordenadora do programa que literalmente acelerou a destruição ambiental no país. O PAC, que aliás figurou entre as prioridades enfatizadas no discurso de posse, negligenciou questões ambientais desde sua concepção. Mesmo promovendo a expansão de campos de petróleo, novas refinarias, frigoríficos, termoelétricas nunca calculou qual seria a contribuição ao balanço das emissões de gases de efeito estufa no país.

O único componente dedicado ao meio ambiente do programa era melhorar o setor de licenciamento no país, equipando o Ibama e enviando um projeto de lei para a regulamentação do artigo 23 da Constituição (que define responsabilidade federativas no licenciamento). O Ibama não só não saiu do lugar como nos 3 anos de existência do PAC entrou duas vezes em greve. Dois dos principais projetos de infraestrutura, as usinas hidrelétricas do Rio Madeira e Belo Monte receberam pareceres negativos de técnicos qualificados e, mesmo assim, a presidência do Ibama decidiu desconsiderar a opinião de funcionários da casa e emitir as licenças.

Já o projeto de lei que regulamenta o Artigo 23 começou a tramitar na Câmara dos Deputados. Mas o próprio governo que defendeu que este seria o caminho para melhorar a gestão ambiental no país não se movimentou para acelerar a tramitação do projeto. A omissão permitiu emendas parlamentares que desviam o foco do projeto reduzindo o poder de fiscalização do Ibama. Se aprovado como está no momento, o projeto de lei 01/2010 vai jogar a política ambiental brasileira de volta nos anos 80.

Dois pontos aparentemente conflitantes no discurso de Dilma – as reservas do pré-sal e energia limpas – serão a chave para monitorar a atuação de seu governo com relação aos temas ambientais. Em um momento disse que não trataria os recursos obtidos com a exploração do pré-sal de forma irresponsável e que seriam usados para a “erradicação da pobreza e valorização do meio ambiente”. Em outro momento, disse que o Brasil continuaria a investir em fontes limpas de geração de energia, nominalmente energia solar e biocombustíveis.

A divisão dos recursos do pré-sal como já se sabe causou celeuma no congresso (e até lágrimas do governador do RJ). Mas agora que o bolo está dividido é preciso aprofundar a discussão com a sociedade sobre projetos de pesquisa e conservação que devem ser priorizados. Entre eles podem estar exatamente os investimentos em energia para o futuro, como aquelas mencionadas por Dilma em seu discurso.

Além disso, o pré-sal é uma oportunidade para elevar aportes diretos na conservação dos nossos ecossistemas mais importantes, estejam eles na Amazônia, no Cerrado ou na zona costeira e marinha. Por isso, é preciso implementar instrumentos de compensação a proprietários rurais, pagamentos por serviços ambientais, incentivos econômicos ao turismo em unidades de conservação e outras ferramentas inovadoras que criem uma economia baseada no capital verde do país.

Se através dos recursos do pré-sal, o Brasil conseguir fazer a transição da energia suja para energia limpa terá cumprido talvez metade da ‘missão sagrada’ mencionada pela presidente. A parte restante é mais desafiadora: fazer a transição da nossa mentalidade nacional de que a riqueza do Brasil não está na exploração de seus recursos naturais, mas sim na sua conservação.

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