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Chegou a Black Friday!

O que importa na Black Friday é o produto custar barato para o consumidor final, não importa o custo ambiental da fabricação, transporte, venda e descarte disto

1 de dezembro de 2019 · 4 anos atrás
  • Rafael Loyola

    Diretor Executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade, professor na UFG e membro da Academia Brasileira de Ciências

Liquidação total. Imagem: Pixabay.

E esse mês tivemos a Black Friday. Sem falar na questão ética dos jeitinhos onde muitos produtos custam a metade do dobro, esse é um evento com impacto ambiental grande. Que fique claro que não sou contra o comércio ou torço contra a economia do país – agora virou moda ser tachado de antipatriota quando se questiona algo publicamente – ao contrário; acho que precisamos incluir a sustentabilidade ambiental como um dos pilares da nossa economia.

Mas é preciso internalizar esse discurso. De nada adianta saber sobre a importância da biodiversidade, dos benefícios que ela traz (os chamados serviços ecossistêmicos), do quão atual é considerar o risco climático e as oportunidades de negócios oriundas da bioeconomia, se não incluirmos isso de forma clara e objetiva nos programas de governo, no planejamento estratégico das empresas e no fluxo de caixa dos negócios.

Os números a favor dessa inclusão falam por si só: mais de 400 milhões de reais por ano são entregues aos municípios brasileiros por meio do ICMS ecológico (uma política de repasse fiscal adotada por vários estados do Brasil), o ecoturismo alavanca 2,2 bilhões de reais por ano (e sempre dizemos que podemos ser muito melhor no ecoturismo), o corte seletivo de madeira legal gera 2,25 bilhões de reais por ano para a economia do país. Na Amazônia, o volume de recursos oriundos do comércio de produtos não madeireiros já é 10 vezes maior que o da soja plantada por lá.

Quando o governo federal diz que o Brasil tem que receber, no mínimo, 10 bilhões de dólares por ano como compensação por proteger florestas, ele precisa dar garantias aos outros países e aos investidores de que o ambiente (sobretudo florestas) pelos quais eles pagam para continuar em terras tupiniquins, de fato continuará ali.

“Até 2050 a expectativa é que 70% das pessoas do mundo vivam em cidades. Isso gera um volume de resíduos gigantesco que acaba em lixões, aterros ou redes de água e esgoto”.

Contudo, sem garantias não há como investir. Me parece uma conclusão lógica de uma matemática primária; mas não é essa a mensagem que o governo tem passado. Para mim, o foco está no lugar errado. Recursos de fora são bem-vindos, mas temos o enorme dever de casa de fortalecer nossa bioeconomia interna e fomentar práticas sustentáveis no campo e nas cidades. Mas ao contrário, aqui debaixo da linha do Equador parece ocorrer uma Black Friday dos grileiros, dos que desmatam ilegalmente, de quem polui o ar e os corpos d’água. Deu a louca no patrão: queima total de florestas, petróleo… liberou geral; até o licenciamento está mais barato.

Vejam que tudo isso acontece em uma esfera macro. Mas a Black Friday é para o consumidor final e o que importa é comprar barato. Não importa se o cidadão de fato precisa daquele produto, não importa se ele tem baixa qualidade comparado com outros similares, não faz diferença se vamos acumular toneladas de resíduos daqui a um ano, um mês… está barato! Compre, compre, compre.

Até 2050 a expectativa é que 70% das pessoas do mundo vivam em cidades. Isso gera um volume de resíduos gigantesco que acaba em lixões, aterros ou redes de água e esgoto. Finalmente, vão parar no oceano. E as pessoas custam a entender a diferença entre um produto reciclável e a possibilidade real dele ser reciclado. No Brasil, apenas 3% do lixo não orgânico é, de fato, reciclado. Aliás, reciclar é sempre a última opção. Lembra dos cinco Rs? Recusar, repensar, reduzir, reutilizar e reciclar. Sem dúvida, os dois primeiros são os que fazem mais diferença.

Quer mais dados: o equivalente a um caminhão de lixo por minuto é despejado no mar. Há estimativas que afirmam que em 2050 teremos mais plástico que peixes no oceano. O microplástico já está no nosso sal marinho, comprado no supermercado e consumido em casa. Tem muita coisa errada no mundo e enquanto a sociedade não mudar seus hábitos de consumo, enquanto o consumismo for sinônimo de status social (compro, logo existo), não vamos sair da insustentabilidade da sociedade brasileira e mundial.

A princípio, todo produto termina, de um jeito ou de outro, em um saco de lixo. Mas o ciclo de vida dele não termina ali. COmo garantir que esse lixo não vai parar no estômago de uma Jubarte? Foto: Pixabay.

Meu conselho? Compre conscientemente. Reflita sobre suas reais necessidades, sua compra, a embalagem do seu produto, de quem você compra, onde é feito o que você comprou, de onde vem a matéria prima para o seu produto… é um exame de autoconsciência, eu sei. Mas é preciso.

Para não dizer que sou radical, confesso que vou comprar na Black Friday. Mas já fiz meu autoexame e decidi comprar livros. E desculpem a coluna com vários assuntos, mas é Black Friday e minha associação livre está à preço de banana.

 

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Comentários 1

  1. Realista diz:

    Isso devia ser dito pras pessoas que vivem de avião o ano todo falando asneira em tudo quanto é lugar, já que gostam de falar em "pegada"… Mas geralmente acaba caindo em cima do seu Francisco que quer trocar o celular.