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Relatório de deputado ruralista do Paraná coloca em risco novo Código Florestal

Parlamentar inclui alterações em Medida Provisória, que tinha como único objetivo estender prazo de adesão ao Programa de Regularização Ambiental

Evanildo da Silveira ·
26 de maio de 2019 · 5 anos atrás
Comissão mista aprovou relatório que consolida desmatamento em área superior à 4 milhões de hectares. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado.

Uma das leis mais negociadas e debatidas do Brasil, a 12.651/2012, que instituiu o novo Código Florestal, aprovada após 11 anos de discussões no Congresso, corre o risco de ser descaracterizada e abrir caminho para mais desmatamentos. Tudo por causa das alterações na Medida Provisória, 867/2018, em tramitação no Congresso Nacional, que tem – ou tinha – como único objetivo a extensão do prazo para adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), mas está sendo usada para alterar a estrutura central do novo Código Florestal.

Segundo nota técnica conjunta da Iniciativa para o Uso da Terra (Input) e da Climate Policy Initiative (CPI), a Lei 12.651/2012 constitui uma oportunidade única para o Brasil conciliar o aumento da sua produtividade agrícola com a proteção dos seus recursos naturais. “Mais do que simplesmente um instrumento de proteção de nossos remanescentes florestais”, diz o texto, assinado por Joana Chiavari e Cristina Leme Lopes, ambas do Núcleo de Avaliação de Políticas Climáticas da PUC-Rio (NAPC/PUC-Rio) e da CPI, “o Código pode acelerar a modernização da agricultura brasileira e melhorar o acesso a mercados internacionais”.

Também em nota, a Coalizão Ciência & Sociedade, que congrega mais de 50 cientistas atuando em todas as regiões do Brasil, lembra que entre os principais avanços da Lei 12.651/2012 estão o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Programa de Regularização Ambiental (PRA). “Até janeiro de 2019, cerca de cinco milhões de imóveis rurais (totalizando mais de 450 milhões de hectares) foram cadastrados no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR)”, diz o texto. “Os estados passaram a regulamentar os PRA logo após a aprovação da lei e pelo menos 17 e mais o Distrito Federal já possuem normas”.

A MP 867/2018, apresentada em dezembro do ano passado pelo governo Michel Temer, vai acabar com isso. Seu relator, o deputado Sergio Souza (MDM-PR), apresentou seu relatório no dia 24 de abril de 2019, transformando a MP no Projeto de Lei de Conversão (PLV), que altera o texto original da medida. Depois, em 29 de abril de 2019, ele complementou seu voto e apresentou um novo PLV. Das 35 emendas parlamentares apresentadas, cinco não foram aceitas pelo relator por não terem nada a ver com o tema da MP e, das 30 restantes, 16 fazem alterações em seis artigos do Código Florestal.

Propriedades rurais em módulo de consulta pública do CAR. Foto: reprodução.

As mais prejudiciais são as que mudam o Art. 59, que dispõe sobre o PRA, e o Art. 68, que trata da aplicação da lei no tempo sobre reserva legal. Pelas normas atuais, os proprietários rurais precisam aderir ao PRA voluntariamente. Com as modificações propostas pelo deputado ruralista, eles agora só terá de fazer isso se foram notificados pelos órgãos estaduais competentes. No caso do artigo 68, ele estabelecia a data de 22 de julho de 2008 como marco para definir área rural consolidada. O novo PVL passa a considerar, no entanto, um marco temporal diferente para cada bioma e propõe que todas as infrações que aconteceram antes dessas datas não sejam computadas para fins de recuperação ambiental.

As consequências dessas alterações poderão ser desastrosas. “A MP 867/2018 traz uma série de prejuízos para a proteção das florestas e também para o próprio agronegócio brasileiro”, critica André Guimarães, representante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). “Alterar o Código Florestal é um enorme retrocesso. O país deveria estar focado em sua implementação, em vez de gastar tempo e energia revendo uma lei que foi aprovada sete anos atrás, após um longo processo de debate no Congresso, com audiências públicas e envolvimentos de vários atores.”

Para os cientistas da Coalizão Ciência & Sociedade, alterar a forma de colocar em prática o PRA é ignorar todo o esforço e recursos que foram feitos nos estados na elaboração das normas de regularização ambiental, podendo levar à paralisação das regulamentações em curso naqueles com normas já estabelecidas. “Além disso, resulta em insegurança jurídica em um processo que exige colaboração e confiança junto ao setor produtivo”, diz o texto. “O PRA permite, além da solução de passivos ambientais, o acesso a incentivos econômicos, e tem como produto final a regularização e a restauração de áreas degradadas. A proposta é um enorme retrocesso e um desestímulo a processos de conciliação e colaboração na gestão territorial do Brasil.”

Ainda de acordo com a Coalizão Ciência & Sociedade , a nova redação do artigo 68, que altera a Reserva Legal na Caatinga, Cerrado, Pampa e Pantanal, vai impedir que uma grande área desmatada ilegalmente seja recuperada. “Estimativas de especialistas evidenciam que cerca de 4 a 5 milhões de hectares de Reserva Legal (a metade da demanda atual) deixarão de ser recompostas, compensadas ou regeneradas, em função desta anistia”, diz a nota, assinada pelas pesquisadoras e especialistas em questões ambientais, Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília (UnB), e Ima Vieira, do Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG).

André Guimarães acrescenta que o PLV trará também alto risco de questionamentos na Justiça. “Dos sete artigos que alteram a Lei 12.651/2012, apenas um tem pertinência com a MP 867/2018 original.”, diz. “Todos os outros seguramente serão questionadas no Judiciário. Isso criará uma imensa insegurança jurídica, que pode atrasar ainda mais a regularização ambiental no Brasil. Além disso, o novo projeto vai manchar a imagem do próprio agronegócio. Modificar estruturalmente o Código Florestal pode reforçar o argumento daqueles que veem o setor como uma força contrária à conservação ambiental.”

A medida provisória tem até o dia 03 de junho para ser votada nos plenários da Câmara e do Senado.

 

Saiba Mais

Nota técnica – Proposta do relator da MPV 867 coloca em risco o novo código florestal – INPUT

Nota da Coalizão Ciência & Sociedade sobre a MP 867

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Comentários 1

  1. Paulo diz:

    Mais uma naba de estorvo, pago com o dinheiro público. Desserviço ao BEM público atitudes deste Sergio Souza /PR.

    Idiotice de teimosia por falta de informação.